Walli e Lili entraram no quarto.
Ficaram parados à porta, a olharem a irmã mais velha como se ela se
tivesse transformado numa pessoa diferente, o que provavelmente era
verdade.
— Casaste te por ordem da
Stasi! — gritou Rebecca da janela. — Qual de nós é o louco? —
Atirou o outro sapato e falhou.
Lili perguntou num tom
atemorizado: — Que estás a fazer?
Walli sorriu e disse: — Que
loucura, pá.
Lá fora, dois transeuntes
pararam para ver, e um vizinho surgiu à porta, contemplando a cena,
fascinado. Hans mirou os, furioso. Era um homem orgulhoso e
angustiava o fazer figura de parvo em público.
Rebecca olhou em volta,
procurando outra coisa para lhe atirar, e o seu olhar caiu no modelo
de fósforos da Porta de Brandeburgo.
Estava colocado sobre uma prancha
de contraplacado. Era pesada, mas ela aguentava.
Willi exclamou: — Oh, ena pá!
Ela levou o modelo até à
janela.
Hans gritou: — Não te atrevas!
Isso pertence me!
Ela pousou a base de
contraplacado no peitoril. — Arruinaste me a vida, seu rufia
da Stasi! — gritou.
Uma das mulheres ali paradas
riu se, numa gargalhada desdenhosa e trocista que se sobrepôs
ao som da chuva. Hans corou de raiva e olhou em redor, tentando
identificar a fonte, mas não conseguiu. Ser alvo de chacota era para
ele a pior forma de tortura.
Rugiu: — Tira daí esse modelo,
cabra! Trabalhei nele durante um ano!
— O mesmo tempo que eu dediquei
ao nosso casamento — retorquiu Rebecca, erguendo o modelo.
Hans berrou: — Estou a dar te
uma ordem!
Ela passou o modelo pela janela e
largou o.
Este virou se em pleno voo,
fazendo com que a prancha ficasse por cima e a quadriga por baixo.
Pareceu levar uma eternidade a cair, e Rebecca ficou como que
suspensa num momento do tempo. Depois, o modelo bateu no pátio
calcetado da frente, com um som de papel a ser amachucado.
Desintegrou se, e os fósforos projetaram se numa espécie
de onda. Caíram, então, no empedrado molhado e ali ficaram,
formando um círculo raiado de destruição. A prancha quedou se
no chão, tudo o que continha desfeito em nada.
Hans ficou a olhar por um longo
momento, a boca aberta de choque.
Recompôs se e apontou um
dedo a Rebecca. — Escuta bem — disse numa voz tão fria que, de
súbito, a deixou assustada —, vais arrepender te, garanto te.
Tu e a tua família. Vão arrepender se para o resto da vida.
Juro te.
Depois entrou no carro e foi se
embora.
Depois de meses de espera, o tão aguardado final da trilogia O Século chegava finalmente... Não só por ser um dos meus autores de eleição, mas também por ter devorado por completo os volumes anteriores (apesar do seu tamanho), as expectativas para este último estavam elevadíssimas.
Tal como os anteriores, também este foi completamente devorado (apesar das mais de mil páginas), aproveitando todos os momentos disponíveis para ler um bocadinho. Contudo, chegando ao final fiquei um bocadinho àquem das expectativas iniciais, facto que se foi desenvolvendo a partir dos 2/3 do livro. Se nos volumes anteriores acompanhávamos os personagens nas suas vidas quotidianas e estas estavam interligadas com os momentos históricos e chave do século passado, neste fiquei com a sensação que o autor tinha escolhido os momentos que ia incluir na narrativa e depois colocou lá este ou aquele personagem.
Claro que o período da Guerra Fria é muito superior quer ao da I Guerra Mundial, quer da II, mas mesmo assim estava à espera de uma abordagem diferente... (Também percebo que incluir num livro acontecimentos de trinta anos de História é uma tarefa praticamente impossível).
Outra coisa que me deixou um pouco desiludida foi o facto de não se conhecer o desfecho de todos os personagens. Parece que alguns ficaram esquecidos no meio de tantas páginas e tanta política :(
É importante realçar que grande parte do livro decorre na década de 1960 e centra-se nas relações políticas nos EUA e URSS, com todas consequências boas ou más que daí resultaram. Um dos melhores momentos descritos é, sem dúvida, o discurso de Martin Luther King, I have a dream, nos degraus de Lincoln Memorial em Washington, em Agosto de 1963.
Também o impacto que os loucos anos 60 e 70 tiveram nos jovens (sexo, drogas e rock'n'roll) foi bem feito, mostrando como a música e a política andam muitas vezes de mãos dadas. No entanto, depois foi-se perdendo um pouco o contacto com este estilo de vida e estas personagens, o que foi pena.
Apesar destes pequenos pormenores que me deixaram um sabor um tanto ou quanto agridoce, é um excelente livro e recomendo vivamente toda a trilogia (apesar do tamanho assustador dos três volumes).
Há que ter em conta, tal como o próprio Follett me disse, que "foi uma trilogia difícil. Havia muita História a considerar antes de pensar nos personagens e eu estava determinado a não escrever um livro aborrecido".