A reader lives a thousand lives before he dies, said Jojen. The man who never reads lives only one. (George R. R. Martin)

sábado, 6 de junho de 2015

Em Parte Incerta


Quando penso na minha mulher, penso sempre na sua cabeça. Para começar, na sua forma. Da primeira vez que a vi, foi a nuca que vi primeiro, e havia qualquer coisa de adorável nos ângulos que formava. Como um grão de milho duro e lustroso ou um fóssil no leito de um rio. Ela tinha aquilo que os vitorianos diriam ser uma cabeça primorosamente modelada. Deixava adivinhar facilmente o crânio.
Reconheceria a sua cabeça em qualquer lugar.
E o que está dentro dela. Também penso nisso: na sua mente. No seu cérebro, com todas aquelas circunvoluções, e os seus pensamentos a percorrerem-nas como centopeias velozes e frenéticas. Como uma criança, imagino-me a abrir-lhe o crânio, a desenrolar-lhe o cérebro e a vasculhá-lo, tentando agarrar e imobilizar os seus pensamentos. Em que estás tu a pensar, Amy? A pergunta que mais vezes fiz durante o nosso casamento, mesmo que a não tenha feito em voz alta, mesmo que a não tenha feito à pessoa que podia responder. Suponho que estas perguntas surjam como nuvens ameaçadoras sobre todos os casamentos: Em que estás a pensar? O que estás a sentir? Quem és tu? O que é que fizemos um ao outro? O que é que vamos fazer?

Vamos começar a ler um livro. Não sabemos nada sobre ele, ou sabemos muito pouco. Não conhecemos a estória que se vai desenrolar, apenas algumas linhas gerais. Fazemos perguntas a nós mesmos sobre os personagens que vamos conhecer nas próximas horas ou dias... 
Então começamos a ler e começamos a conhecer os personagens. Um casal na manhã do aniversário de casamento. Uma perfeita vida a dois. Cinco anos de vida em comum. 

Quem és tu? O que estás a sentir? Em que estás a pensar?
É assustador terminar a leitura de um livro e não conhecer a resposta a estas simples perguntas feitas logo nas primeiras linhas deste livro. O facto de não descobrirmos a resposta levanta ainda mais perguntas.

Há muito tempo que queria ler este livro. Muita gente me dizia que o final era estranho. A palavra que eu utilizaria para o descrever é aterrador! É impensável de prever! Completamente doentio! Assustadoramente humano!

Um livro brilhante, dos melhores que li nos últimos tempos não só pela escrita envolvente e simples mas principalmente pela capacidade de surpreender. Se por um lado sempre achei que era pouco provável que Nick tivesse realmente morto Amy, a certa altura também notei que havia falhas em tudo o que ele contava. No entanto, estava longe de imaginar toda a origem da "tramóia" e o principal motivo. 

Flynn mostra duas pessoas pessoas que partilham uma casa e uma vida mas que não se conhecem realmente. É assustador pensar se, apesar de todas as situações descritas levadas ao extremo, realmente conhecemos as pessoas que estão ao nosso lado diariamente. Será que somos assim tão transparentes? Ou se, pelo contrário, apenas vemos (e mostramos) aquilo que queremos ver e que os outros querem que vejamos.

Com o distanciamento do final da leitura, e depois de também ter visto o filme, já consigo dizer que adorei o livro. Mas percebi que me deixou a pensar...

Aconselho realmente a sua leitura, mas preparem-se para uns quantos murros no estômago ao longo das quinhentas páginas ;) (e não serão só um ou dois...)

2 comentários:

  1. Fico mesmo contente que afinal tenhas gostado tanto do livro! E o filme também está muito bom...

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    1. Gostei sim :)
      Mas tive de digerir tudo muito bem antes de conseguir formar uma opinião...

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