– E o homem, esse João Lopes, deu-te uma mala com coisas secretas da tua avó? Interessante.Sorri, apesar de tudo. A Teresa estava curiosa. Por momentos, senti-me tentado a voltar a meter tudo na maleta e ir refugiar-me nela, como ela queria. Imaginei-me no seu sofá cinzento, as fotos destacando-se na madeira escura da sua mesa de café, e o seu corpo, morno e reconfortante, enroscado ao meu lado. Imaginei a estranheza de partilhar a leitura das cartas que me intrigavam, de tentar decifrar algum dos gatafunhos junto aos poemas misteriosos. Cheguei a levantar-me outra vez, a chave apertada nos dedos, mas deixei-me cair novamente sobre o sofá.– É interessante – concordei. – Há um livro de poemas numa língua qualquer, parece-me hebraico, mas não sei, e meia dúzia de cartas por enviar, para alguém que se chama Dekel… nem sei se é homem ou mulher, não as li. Dei uma vista de olhos esta tarde, mas depois… Ainda só vi realmente as fotografias.– São da tua avó?– Sim. Há umas com as amigas e com o João Lopes, quando eram novos. E há uma com um tipo… até pode ser o tal Dekel – hesitei. – Não a reconheço. Quer dizer, é ela, mais nova, claro, mas ao mesmo tempo não é. A avó tratava-me bem, cuidava de mim, eu sei que gostava de mim, mas como pessoa era… – Faltou-me a palavra e ela tentou ajudar-me:– Vazia? Morta por dentro, sem chama?– Sim. Como se se tivesse tornado uma espécie de não-pessoa. Um buraco onde devia haver alguém. Nunca lhe ouvi uma gargalhada, nunca a vi chorar nem zangar-se, nem comigo, nem com o avô, nada. Acreditas? Podia partir um prato antigo, ou os dentes a um colega, ou tirar a melhor nota da turma, que era como se nada lhe importasse, nem eu, nem ela própria… Até o seu olhar estava sempre noutro lado, longe. Sei lá. A rapariga das fotos transpira vida. O sorriso, os olhos… estão vivos.– E o que dá cabo de ti é não saberes porquê.
Há uns meses participei num passatempo e saiu-me este livro :) (nunca me sai nada) Andou perdido pela minha biblioteca de ebooks durante algum tempo, e agora resolvi pegar-lhe...
Comecei a ler sem qualquer tipo de expectativa. Logo nas primeiras páginas começaram as surpresas! Um corpo atirado ao mar? Um salto no tempo, e um casal de férias no Algarve que terminam em discussão e vai cada um para seu lado... Confesso! Fiquei presa logo nas primeiras páginas! Nem foi preciso o mínimo esforço! Por isso, parabéns Carla M. Soares!
À medida que ia avançando na leitura, conhecendo personagens e entrando dento da narrativa, ia ficando cada vez mais intrigada e curiosa. Intrigada em relação ao rumo que tudo estava a tomar... Curiosa pelo desfecho que poderia ter...
A escrita da Carla é bastante simples e contagiante. Daquele tipo que nos prende e não nos larga até chegarmos à última página e, quando esse momento chega e tudo é revelado, deixa-nos um sabor agridoce. Por um lado, as dúvidas estão desfeitas, mas também a leitura chegou ao fim...
Admito que não costumo acompanhar de perto o trabalho dos autores portugueses. Contudo, todos os que tenho descoberto ultimamente (a grande maioria não tem a visibilidade que deveria) têm sido surpresas muito agradáveis e que me deixaram com muita vontade de continuar a acompanhar e (re)descobrir o seu trabalho. A Carla não foi excepção! Certamente não ficarei por aqui com os seus livros! Est'A Chama ao Vento foi apenas o ponto de partida para a descoberta.
Aconselho!
Ideal para os apaixonados pelos mistérios da II Guerra Mundial e dos países neutros... Afinal, em Portugal também havia espiões estrangeiros...