A decisão que Carolina tomara afectaria toda a sua vida e,
inclusivamente, o momento que escolheria para a sua morte. Enquanto se
encaminhava sob o braço da irmã, que já a ultrapassara em altura, para a festa
dos Esteves – para festejar o final das suas alegrias – ia mordiscando
incessantemente o interior dos lábios. A avó sentara-se com ela na penumbra e
aconselhara-lhe coisas impensáveis. Indecentes, imorais. Mas perfeitamente
capazes de funcionar. E ela tinha de arriscar tudo, fosse a sua reputação,
fosse o modo inocente e honesto como Lourenço a via.
(…)
A avó dissera-lhe
que a mulher é biologicamente talhada para atrair o homem a si. Garantira-lhe
que, depois de os lábios dele provarem os dela, ou de a sua mão roçar a calidez
das suas coxas, não haveria retorno possível. Ela teria ganho a batalha, se não
a guerra. Ainda assim, a ideia de o ludibriar, chamando-o e seduzindo-o,
fazia-a envergonhar-se de si própria.
(…)
Ele passou o rosto dela em revista, tentando
discernir a sua amiga de infância no interior daqueles olhos claros e tomados
de luxúria. (…) Passou em revista as vezes que tinham estado a sós à beira-rio
e sentindo-se torturado pelas imagens do corpo dela, sarapintado de gostas de
água, a reluzir ao sol. Como é que nunca a vira desse modo? Provavelmente,
tinha sido a fantasia dela durante os últimos anos e, se ao menos não tivesse
sido tão cego, ter-se-ia apercebido de que ela se transformara numa mulher de
beleza singela e formas perfeitamente desejáveis.
Depois de tantas boas opiniões lidas, cedi à curiosidade de pegar neste livro e acabei por conhecer a autora :-)
Ao folhear as páginas antes de começar a ler, dei-me conta que havia muitas descrições e fiquei um bocadinho de pé atrás. Mas logo nas páginas iniciais tive uma agradável surpresa e as longas descrições tornaram-se facilmente devoráveis e envolventes, facto que se deve à fantástica escrita da Célia.
A história em si não é nada que de um modo ou outro não tenhamos já lido/visto em outros livros ou filmes, mas os segredos que esta família guarda são revelados de um modo que nos mantém em suspense até às últimas linhas e deixa-nos a querer mais. Dei por mim a simpatizar com a Ingrid e a embirrar com a Carolina, a não compreender algumas atitudes da protagonista no seu amor incondicional a Lourenço...
Gostei muito de conhecer a Vila Flor algures perdida pelo "meu" Alto Alentejo, ali bem perto da minha terra (que também mereceu ser mencionada, ainda que apenas por breves instantes, no início do livro) e que de tão semelhante a qualquer uma daquelas vilas e aldeias traduz um bocadinho de cada uma delas e dos seus habitantes. As pessoas, as casas brancas nas ruas empedradas ou até mesmo o calor desértico que se faz sentir todos os verões...